quinta-feira, 22 de maio de 2008

Uma nova análise sob outros olhares

Vamos tentar fazer uma análise mais aprofundada do resultado da pesquisa de campo, usando os dados que obtemos e que foram publicados no penúltimo post. Aqui, agora, tentaremos fazer uma análise da personalidade das princesas e, conseqüentemente, das meninas que se identificam com cada uma delas. Assim, poderemos ter uma visão mais clara a respeito dos grupos que são formados, consciente ou inconscientemente, pelas meninas. É claro que nem todas elas obrigatoriamente se identificam com alguma princesa, mas o que queremos analisar é justamente as que obtêm uma identificação seja pela história, pelas atitudes ou pela personalidade.


Bela (Bela e a Fera)

Todas as meninas que se identificam com ela querem se casar, ter filhos, ter sucesso em suas atividades, ser feliz, ter um marido que as respeite e atenda a suas expectativas e necessidades.
De acordo com a história da Bela, ela procura por sua independência a partir do momento em que decide se casar com quem ela quiser, indo contra as vontades do pai. Isso demonstra uma certa independência, talvez um pouco de rebeldia, por não acatar a um desejo do pai. Talvez as meninas se identifiquem com essa "rebeldia", ou independência, essa atitude de querer viver sua própria vida da forma que lhes convêm.


Branca de Neve

É submissa a partir do momento em que fica cuidando da casa enquanto os setes anõezinhos saem para trabalhar. Sonha em ser feliz ao lado de um príncipe que lhe tiraria daquela vida. Em um determinado momento, quando o príncipe a beija, ela desperta para a vida. Talvez isso seja apenas o momento mágico em que a princesa encontra seu amado, ou talvez seja algo mais profundo, demonstrando que ela despertou de sua condição para viver uma vida mais feliz. As meninas que se identificam com ela procuram uma espécie de salvador que lhes tire de uma condição não muito agradável. Não que essas meninas vivam da mesma forma que a princesa. Mas às vezes, as condições desagradáveis podem ser no aspecto psicológico, emocional. Talvez elas estejam vivendo suas vidas de uma forma enquanto querem mesmo vive-la de outra forma, da forma que lhes parece ser mais agradável.


Ariel

É a mais rebelde de todas as princesas. Não dá ouvidos às ordens do pai e faz o que bem entende. Tem um certo problema com autoridade. Não respeita limites. Ainda assim, procura ser feliz da forma que lhe convém e fazer de sua vida o que lhe interessa. As meninas que se identificam com ela são aquelas meninas que apresentam um espírito rebelde, que não se conformam com o que lhes é imposto. Gostam de agir de forma independente. Mesmo que não hajam de forma mais independente, elas pensam dessa forma. Se não são capazes de se "rebelarem" contra algo, seja por consciência ou instinto, mantém o desejo de se destacar dentro de si, reprimindo um pouco suas vontades de fazer algo de forma diferente. Mas isso não significa que sejam conformistas. Apenas sabem o momento certo para ceder.


Cinderela

Ela é submissa, uma vez que acata todas as ordens que as madrastas lhe dão. Surge uma oportunidade em forma de fada madrinha e Cinderela a aproveita muito bem, pedindo para ir ao baile. Lá, conhece um príncipe, que no final lhe tira daquela vida que antes levava. Mais uma vez o príncipe é o herói, o salvador que tira as princesas de situações desagradáveis. Eles são vistos como a verdadeira chance do "felizes para sempre". As meninas que se identificam com ela sonham em ter sucesso profissional e pessoal, ao lado de um marido que tenha atitude e personalidade, além de ser companheiro, fiel e que transmita segurança. Ou seja, elas procuram a felicidade ao lado de uma pessoa amada, que possa transmitir-lhes o que elas mais desejam encontrar para seus futuros. Tentam, de certa forma, encontrar alguém que lhes preencham esses anseios.


Jasmim

Ela também se enquadra na lista de princesas que têm um certo espírito rebelde. Não gosta de acatar as ordens do pai. Aparenta não se importar com bens materiais e procura simplicidade. Gosta de ter uma certa independência. As meninas que se identificam com ela procuram esta independência, um futuro estável que lhes agrade, um marido que seja bonito, surpreendente e que as faça feliz. Notamos que, pela primeira vez, o quesito beleza aparece na escolha do “príncipe”, o que não significa que as meninas que se identifiquem com ela sejam superficiais, apenas que classificaram a beleza como um atributo de valor equivalente aos outros “pré-requisitos” levados em consideração na hora de escolher um namorado.


Mulan

Mulher de espírito inquieto, ela parte para uma batalha, vestida de guerreiro, no lugar do pai. Em determinado momento, ela assume sua verdadeira identidade ao se mostrar mulher perante todo o exército. Isso pode ser um sinal claro de afirmação, já que, para a sociedade, ela não era muito “qualificada” para ser esposa e dona de casa. O fato dela se afirmar como mulher pode dar a idéia de coragem, já que naquele momento, essa virtude foi muito necessária. As meninas que se identificam com Mulan, procuram um namorado que se identifiquem com sua personalidade, ou seja, talvez elas procurem rapazes que também sejam corajosos e tomem atitudes sábias quando necessário, que façam o que julgarem necessário para lutarem por seus ideais e pelo que acreditam. Essas meninas procuram também por mudanças, que tragam benefícios para si mesmas ou para quem as rodeia. Todas elas querem constituir família, ter sucesso profissional e viajar, o que também pode ser um sinal de que elas desejam explorar as possibilidades futuras, conhecer o, até então, desconhecido (como ocorre com a princesa a partir do momento em que ela decide ir para a guerra).


Pocahontas

Ela tem um espírito livre, gosta da natureza, das plantas e animais que a cercam. É aventureira e dedicada a promover harmonia ao seu redor. As meninas que se identificam com ela têm um espírito livre e mente aberta. São meninas que gostam de viver suas vidas como lhes convém e seguir seus instintos em todos os momentos. Além disso, o fato de uma das entrevistadas não ter definido o que quer para seu futuro, pode demonstrar o medo de se comprometer com uma idéia futura, ou simplesmente o não planejamento dele, o que por sua vez indicaria que essa menina quer viver um dia de cada vez e esperar para ver aonde a vida lhe levará, talvez exemplificando a personalidade aventureira da princesa.

No próximo post, iremos explicar a realização da pesquisa de campo número 2, na qual iremos ao shopping com as “princesas” para analisar seus comportamentos e atitudes no meio social.

Até o próximo post!

Beatriz Jorge.

domingo, 11 de maio de 2008

O que diz a psicologia?

Fomos atrás da opinião de um psicólogo para descobrir qual a verdadeira influência das princesas Disney na personalidade das crianças e qual seu papel na formação de grupos femininos. Como já explicado neste blog, nossa teoria era a de que as princesas acabavam por formar ou mulheres submissas ou independentes, e que estas mulheres se aproximavam de outras influenciadas pelas mesmas princesas.
Qual nossa surpresa quando nos deparamos com um novo ponto de vista sobre o caminho real de influências. Para o professor e psicólogo Arlindo Ferreira Gonçalves Júnior, o que ocorre na verdade é que as princesas Disney já foram criadas para atingir os diferentes públicos alvos, e as meninas se identificam e “consomem” as princesas de acordo com sua personalidade já moldada. Esta personalidade é o que irá aproximá-las de meninas com as mesmas idéias e atitudes, com o mesmo arquétipo – e que, por este motivo, tem a mesma ‘princesa Disney favorita’. Esta aproximação reforça a personalidade inicial da menina.
Os grupos separados por princesas continuam a existir, mas não foram criados pela influência delas - como acreditávamos - foram apenas reforçados por isso.
Outra descoberta interessante foi sobre os contos de fada em geral. Mais especificamente sobre o “felizes para sempre”. O que tem de errado nesta frase?
Segundo Arlindo, “todas estas historias recuperam algo de essencial na figura feminina, que se refere a esta passagem da menina para mulher, e que envolve todos os medos da menina que se torna mulher e a negação deste novo papel que ira assumir na sociedade (para o homem esta passagem não é natural, existe um ritual de passagem, mas para a mulher é natural, e existe o medo do amadurecimento).
A própria idéia do amor como salvação, o ‘viveram felizes para sempre’, já é uma juventude eternizada – ela eterniza isso para não ter que lidar como todo o ônus da fase adulta”.

Em todos os contos existe o amor platônico.
“De acordo com a psicanálise, o maior medo da menina é o da vivencia sexual, tanto é que esses amores são ideais, com que ela não tem contato. O contato carnal é a grande proibição e o grande medo. E recusar-se a casar com aquele a que foi prometida é a manifestação deste medo, projetando um amor ideal e platônico, que termina no ‘felizes para sempre’, sem antes se concretizar realmente. É a consagração da menina que não amadurece. É o mito da perpetua inocência. E todas as princesas são desdobramentos deste mito original.”

Mas se você analisa a Cinderela e a Ariel, por exemplo, percebe que elas são bem diferentes.
“Elas tem a mesma essência. Mas tem mecanismos diferentes para lidar com a mesma situação – a fase de transição do ser infantil pra o ser adulto.
Elas escolhem caminhos para não se transformar em mulher.”

Outra idéia que aparece é a do amor como salvação.
“Salvação do que? Exatamente deste estado conflituoso da passagem para o ser adulto. Neste sentido, o amor funciona como uma mortificação. Por isso que é platônico. O amor platônico só se realiza na morte. Quando Platão descreve o amor, ele vai dizer que quem ama, ama não o outro propriamente dito, mas este outro que é uma mera recordação do amor ideal.
(..)
A beleza eterna , perfeita, é o objeto do amor por excelência para Platão, e isso só pode se realizar idealmente. Em termos psicológicos, o amor platônico é sempre uma patologia, o outro é sempre um ser incessível. Você constrói um altar ideal e coloca este outro neste altar incessível.”

Então o amor platônico é um mecanismo de defesa que impede a criança de se tornar mulher. E quando ela supera essa barreira?
“Quando as pessoas passam a ser reais. E esta é a grande questão, desde Romeu e Julieta. Você não sabe que fim eles levaram, não os vê envelhecendo. Ao envelhecer eles estão amadurecendo e entrando em contato com o outro real. O problema disso é que o outro real sempre vai me dissuadir dos meus ideais, e eu terei que sofrer. Existe uma regra máxima na psicologia: você não cresce sem sofrer. E neste caso o desvio deste sofrimento esta exatamente nesta idealização, neste amor perfeito.”

Você cresce quando deixa de acreditar em contos de fadas?
“Basicamente sim... Infelizmente nós temos que deixar de acreditar em algumas coisas. E não é só isso, nos crescemos quando fazemos um luto simbólico sobre determinadas etapas.”

Arlindo explica que são três os grandes lutos:
-Quando vamos à escola, e deixamos de receber os privilégios que temos em casa;
-Quando deixamos nossos amigos, deixamos de pertencer a um grupo com o qual nos identificamos - geralmente isto acontece no período da universidade, quando deixamos para trás o grupo do colegial e entramos em grupos com diferentes relações;
-Quando deixamos a casa dos pais.

A passagem por esses rompimentos e a experiência do luto são importantes para a formação da personalidade.
Continuar com as expectativas e ideais da infância na vida adulta representa algum problema no seu desenvolvimento psicológico. Sua personalidade não esta amadurecida. Isso é um fator negativo. Mas não é de um dia para outro que você vai se emancipar.

Analisando as fichas da enquete, Arlindo percebeu que a maioria das mulheres que responderam espera se casar. E que o perfil do marido/namorado é sempre ideal – tem que ser o resultado de qualidades ideais. O problema é quando isso se distancia muito das pessoas reais. Ninguém é como essas mulheres descreveram. Agora, por que eles projetam isso? Por que elas tem dificuldade de se entender realísticamente. Elas se projetam no ideal do conto de fadas.

Mas buscar o ideal não te leva mais longe?
“Te leva mais longe de si mesma. O caminho para o amadurecimento é ir ao encontro de si mesma.”


Indicação de leitura, por Arlindo :
Psicanálise dos contos de fada - Bruno Bettelhein


Nara Luiza do Amaral Dias